Ser Comunidade Cristã
Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
A comunidade cristã encontra sua inspiração na palavra anunciada por Jesus, em nome do Pai, e confiada aos apóstolos (cf. Lc 10,16). Pela palavra de Cristo a Igreja existe e age guiada pelo Espírito Santo. Assim, o cristão encontra no modelo de vida de Jesus e dos apóstolos sua inspiração para ser comunidade.
No antigo Israel a comunidade era marcada pela Aliança estabelecida com Javé. A Aliança determinava a vida familiar, comunitária e social. Na observância dos mandamentos da Lei encontrava o fundamento da adoração a Deus e da promoção da justiça com todos. As famílias de Israel se reuniam enquanto comunidade cúltica e social. A identidade coletiva das pessoas permitiu sentirem-se o Povo de Deus. Essa experiência familiar e comunitária marcou a constituição do Povo de Deus em diversas épocas: Abraão, como pai da grande nação; Isaac e Israel como patriarcas das doze tribos; Moisés, o libertador da escravidão e organizador do povo em pequenos grupos; os juízes ungem os primeiros reis; os profetas anunciam a vontade de Javé e denunciam a infidelidade à Aliança; e o exílio que remete à saudade da Terra Prometida. Diversos processos formaram o grupo que foi fortalecendo seus vínculos, especialmente após o exílio.
No tempo de Jesus a vida comunitária estava se desintegrando. A estrutura da sinagoga continuava existindo, mas a comunidade estava se enfraquecendo. Os impostos aumentavam e endividavam as famílias (cf. Mt 22,15-22; Mc 12,13-17; Lc 20,26). A ameaça de escravidão crescia. Havia repressão violenta por parte dos romanos, que obrigavam a população a acolher os soldados e dar-lhes hospedagem. Isso levava as famílias a se fecharem dentro das suas próprias necessidades. Muitas pessoas ficavam sem ajuda e sem defesa, como as viúvas, os órfãos, os pobres (cf. Mt 9,36).
Para que o Reino de Deus pudesse manifestar-se, novamente, na convivência comunitária do povo, as pessoas precisavam ultrapassar os limites estreitos da sua pequena família e se abrir novamente para a grande família (cf. Mc 3,21), para a comunidade: uma família de famílias.
Jesus valoriza o primeiro lugar de toda vida comunitária: a casa da família. Durante os três anos em que andou pela Galileia, ele visitou pessoas e famílias. Entrou na casa de Pedro (cf. Mt 8,14), de Mateus (cf. Mt 9,10), de Zaqueu (cf. Lc 19,5), entre outros. O povo procurava Jesus na sua casa (cf. Mt 9,28; Mc 1,33). Quando ia a Jerusalém, ele parava em Betânia, na casa de Marta, Maria e Lázaro (cf. Jo 11,3). Ao enviar os discípulos, deu-lhes a missão de entrar nas casas do povo e levar a paz (cf. Mt 10,12-14).
Ao seu redor, começou a nascer uma pequena comunidade (cf. Mc 1,16-20; 3,14) de discípulos e missionários a quem foi revelado os mistérios do Reino de Deus.
Nos Atos dos Apóstolos, Lucas propõe a inspiração para toda a comunidade cristã: “Eles perseveravam no ensinamento dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações.” (At 2,42). Merece destaque o verbo “perseverar” nesse versículo. Ele indica que a vida cristã é um comportamento constante em vistas do crescimento. O verbo indica que os primeiros cristãos trilhavam um caminho em vistas de se manterem fiéis à proposta do Evangelho. Refere-se a um modelo que inspira a comunidade cristã em todos os tempos.
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