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Discurso do Papa Francisco aos Capelães Militares participantes no IV Curso de Formação em Direito Internacional Humanitário

Leia a íntegra do discurso do Santo Padre aos capelães militares participantes no IV Curso de Formação em Direito Internacional Humanitário.

Disse o Papa:

Queridos irmãos!

É-me grato acolher-vos por ocasião do IV Curso de formação dos capelães militares em direito internacional humanitário, organizado conjuntamente pela Congregação para os Bispos, pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» e pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso. Saúdo-vos a todos cordialmente, começando pelos Cardeais Ouellet, Turkson e Tauran. 

Chegastes de diversos países para reflectir juntos sobre alguns dos desafios actuais do direito internacional humanitário, relativos à protecção da dignidade humana durante os conflitos armados não internacionais e os chamados «novos» conflitos armados. Trata-se, infelizmente, de um tema de grande actualidade, especialmente se pensarmos no intensificar-se da violência e no multiplicar-se dos teatros de guerra em diversas áreas do mundo, como a África, a Europa e o Médio Oriente.

No âmbito do Curso de formação, estais prestes a iniciar a meditar e a trocar experiências sobre o modo como a vossa missão de acompanhamento espiritual dos membros das forças armadas e das suas famílias possa contribuir para prevenir as violações do direito humanitário, com o objectivo de aliviar a dor e os sofrimentos que a guerra sempre provoca, certamente em quem está sujeito a ela, mas também em quem a combate. Com efeito, a guerra desfigura os laços entre os irmãos, entre as nações; desfigura também quantos são testemunhas destas atrocidades. Muitos militares regressam depois das operações de guerra ou das missões para o restabelecimento da paz com verdadeiras feridas interiores. A guerra pode deixar neles um sinal indelével. Na realidade a guerra deixa sempre um sinal indelével. Ouvi nos últimos tempos as narrações de muitos bispos, que recebem nas dioceses soldados que partiram para fazer a guerra: como regressam, com estas feridas.

Por conseguinte, é necessário questionar-se sobre as modalidades adequadas para curar as feridas espirituais dos militares que, tendo vivido a experiência da guerra, assistiram a crimes atrozes. Estas pessoas e as suas famílias exigem uma atenção pastoral específica, uma solicitude que lhes faça sentir a proximidade materna da Igreja. O papel do capelão militar consiste em acompanhá-los e apoiá-los no seu caminho, sendo para todos presença consoladora e fraterna. Sobre as feridas destas pessoas vós podeis derramar o bálsamo da Palavra de Deus que alivia as dores e infunde esperança; e podeis oferecer-lhes a graça da Eucaristia e da Reconciliação, que nutre e regenera a alma aflita. 

O direito humanitário propõe-se salvaguardar os princípios essenciais de humanidade num contexto, o da guerra, que é em si mesmo desumanizador. Ele visa proteger aqueles que não participam no conflito, como a população civil ou o pessoal médico e religioso, e quantos já não participam nele activamente, como os feridos e os prisioneiros. Ao mesmo tempo, este direito tende a banir as armas que infligem sofrimentos tanto atrozes quanto inúteis aos combatentes, assim como danos particularmente graves ao ambiente natural e cultural. Para poder cumprir estas suas finalidades de humanização dos efeitos dos conflitos armados, o direito humanitário merece ser divulgado e promovido por todos os militares e todas as forças armadas, inclusive as não estatais, assim como entre o pessoal de segurança e de polícia. Além disso, ele necessita de ser ulteriormente desenvolvido, para enfrentar a nova realidade da guerra, que hoje, infelizmente, «dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos» (Enc. Laudato si’, 104 [1]). Espero que os momentos de debate previstos no âmbito do Curso possam contribuir para a busca corajosa de novas vias nesta direcção.

Todavia, como cristãos, permanecemos profundamente convictos de que o objectivo último, o mais digno da pessoa e da comunidade humana, é a abolição da guerra. Portanto, devemos comprometer-nos sempre para construir pontes que unem e não muros que separam; devemos sempre ajudar a procurar uma brecha para a mediação e a reconciliação; nunca devemos ceder à tentação de considerar o outro só como um inimigo a ser destruído, mas como uma pessoa, dotada de dignidade intrínseca, criada por Deus à sua imagem (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 274 [2]). Também no meio da dilaceração da guerra, nunca nos devemos cansar de recordar que «cada um é imensamente sagrado» (ibid.).

Neste período, no qual estamos a viver uma «terceira guerra mundial por etapas», vós sois chamados a alimentar nos militares e nas suas famílias a dimensão espiritual e ética, que os ajude a enfrentar as dificuldades e as interrogações muitas vezes dilacerantes, ínsitas neste peculiar serviço à Pátria e à humanidade. Desejo saudar também algumas personalidades iminentes que foram convidadas a oferecer a sua competência e experiência no âmbito do direito humanitário e que contribuem para evitar e aliviar grandes sofrimentos. Agradeço-lhes. Quero garantir-vos a minha proximidade na oração e acompanho-vos com a minha Bênção, que concedo reafirmando também a vós capelães a necessidade da oração. Os capelães devem rezar. Sem oração não se pode fazer tudo o que a humanidade, a Igreja e Deus nos pedem neste momento. Perguntai aos vossos capelães, questionai-vos a vós mesmos: quanto tempo por dia dedico à oração? A resposta fará bem a todos. E concedo de coração a bênção a todos vós, e a quantos estão confiados ao vosso cuidado pastoral. E por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.